O Relatório Draghi, encomendado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tem como objetivo principal traçar um programa econômico para o futuro da União Europeia (UE). Este documento se apresenta como um diagnóstico sobre a crise existencial que a UE enfrenta em termos geoestratégicos. Ao longo do texto, Draghi alerta que, sem um crescimento econômico acelerado, a UE poderá cair em um estado de pobreza e irrelevância no cenário global.
Relatório Draghi: Expectativas e Impacto
A expectativa em torno do Relatório era alta, mas, apesar de seu conteúdo interessante, ele não rompeu com o statu quo. Após a divulgação do press release, o debate político e as elites rapidamente voltaram-se para questões menores e de curto prazo, ignorando as preocupações mais amplas apresentadas no documento.
A reflexão do Professor Abel Mateus, publicada no OBSERVADOR em 16 de setembro, oferece uma análise crítica do Relatório. Mateus aponta as insuficiências e erros contidos no texto, além de alertar sobre as ilusões que frequentemente embalam os políticos. Sua análise se destaca como uma exceção no panorama nacional, trazendo uma visão fundamentada sobre os desafios que a UE enfrenta.
A Crise Europeia e Suas Causas
Apesar de um cenário social relativamente positivo e de liderança na transição climática, a taxa de crescimento do PIB da UE desacelerou nas últimas duas décadas. O gap do PIB entre a UE e os EUA aumentou de 17% em 2002 para 30% em 2023, enquanto a China continua a crescer rapidamente.
Draghi atribui a estagnação a fatores como o esgotamento do comércio livre multilateral, o aumento dos preços do gás russo e o fim do “dividendo da paz”. No entanto, essas causas são recentes e não explicam a desaceleração que se estende por duas décadas. Por outro lado, Mateus sugere que fatores mais profundos, como a desaceleração do progresso tecnológico e a deterioração das políticas econômicas, têm desempenhado papéis significativos nesse contexto.
Trade-offs e Desafios Econômicos
Um dos erros mais graves do Relatório é a suposição de que os objetivos da UE — inclusão social, neutralidade carbónica, segurança geoestratégica e crescimento econômico — podem ser alcançados simultaneamente e de forma harmoniosa. Essa visão ignora os trade-offs inerentes entre esses objetivos e os altos custos econômicos associados à transição climática e digital.
Esses custos podem resultar em sacrifícios a curto prazo, refletindo-se negativamente no crescimento do PIB. A questão que se coloca é: estarão os cidadãos europeus dispostos a arcar com esses custos? Quais são os trade-offs que precisam ser discutidos? Infelizmente, o Relatório não aborda essas questões de forma satisfatória.
Relatório Draghi: Competitividade e Regulamentação
Embora o Relatório reconheça que a competitividade depende mais das qualificações do que dos custos laborais, ele subestima a importância de fatores como energia e matérias-primas. Uma recomendação significativa é a simplificação da regulamentação comunitária, a qual é considerada um obstáculo por mais de 60% das empresas da UE. Essa reforma é essencial para superar desentendimentos entre os Estados-Membros.
Além disso, os avanços na integração europeia parecem pouco realistas, conforme já destacado em relatórios anteriores. As reformas devem ser graduais e pragmáticas, evitando mudanças drásticas que possam gerar mais descontentamento.
Inovação e Desenvolvimento
No campo da investigação e desenvolvimento (I&D), a UE investe menos do que os EUA, com um investimento estatal de apenas 1,4% do PIB. A disparidade no capital de risco é alarmante, representando apenas 20% dos níveis dos EUA, o que afeta diretamente a capacidade de inovação da região. O Relatório critica a ineficácia da I&D financiada pela Comissão Europeia e sugere a criação de agências semelhantes à ARPA dos EUA para coordenar melhor os investimentos.
Qualificação da Mão de Obra
Outro ponto crucial abordado no Relatório é a qualificação da mão de obra. Há uma necessidade urgente de alinhar programas de formação com as exigências do mercado. A imigração pode ser uma solução para o déficit de mão de obra, mas isso requer uma abordagem cuidadosa para garantir a integração social.
É fundamental elevar o nível educacional na UE, focando na criação de instituições de qualidade. A falta de universidades de topo e a necessidade de atrair cientistas são questões centrais para a competitividade europeia. Atualmente, muitos programas de treinamento financiados por fundos europeus não têm eficácia comprovada e não estão alinhados com as necessidades do mercado, resultando em desperdício significativo.
Política Industrial e Geoestratégica
A análise da política industrial, comércio externo e energia revela um paradoxo geoestratégico euro-chinês. Os líderes chineses identificaram nas políticas ambientais da UE uma oportunidade para aumentar seu poder econômico, enquanto a UE enfrenta riscos crescentes de desindustrialização. A China, que lidera a produção de tecnologias energéticas, ameaça a indústria europeia com preços competitivos e processos menos rigorosos em termos ambientais.
Draghi propõe uma nova política industrial e a implementação de barreiras aduaneiras, semelhante às medidas que os EUA estão adotando. No entanto, essa proposta enfrenta resistência de países como Hungria e Espanha. A principal lição aqui é que estabelecer objetivos ambiciosos sem políticas adequadas e consenso entre os stakeholders pode ser contraproducente.
Política Energética e Sustentabilidade
No que diz respeito à política energética, as recomendações do Relatório são inadequadas. A UE paga por gás natural de 4 a 5 vezes mais do que os EUA, e a eletricidade é 2 a 3 vezes mais cara. A China continua a utilizar combustíveis fósseis sem penalizações, o que coloca em risco as indústrias europeias, especialmente aquelas que são intensivas em energia.
Embora a energia solar esteja se tornando competitiva, sua intermitência exige fontes de energia de base, como o gás liquefeito, o que eleva os custos. O Relatório ignora o papel da energia nuclear, possivelmente devido a pressões políticas. É vital que os sistemas elétricos na Europa sejam projetados para fornecer eletricidade ao menor custo possível, respeitando restrições de emissões realistas.
Relatório Draghi: Caminhos para o Futuro
A política industrial deve buscar um desacoplamento em relação à China, promovendo uma maior harmonização entre programas nacionais e uma coordenação mais eficaz entre políticas comunitárias e nacionais. Aprofundar o Mercado Único é crucial para garantir a competitividade da UE.
Além disso, a política de comércio externo deve estar alinhada com a política industrial, facilitando a reconstituição das cadeias produtivas e mantendo mercados abertos a países que compartilhem interesses tecnológicos.
Por fim, é essencial lembrar que a proposta de um grande programa de financiamento para a competitividade da Europa, através da emissão de dívida comum, ainda enfrenta resistências. A reflexão sobre as recomendações de outros relatórios, como os de Leta e da Comissão Europeia, é fundamental para moldar o futuro da UE.
A análise do Relatório Draghi revela a complexidade dos desafios que a Europa enfrenta. Para que a UE possa prosperar, é necessário um compromisso coletivo e uma visão clara que transcenda as pequenas políticas do dia a dia. Somente assim, a Europa poderá garantir seu lugar no cenário global e evitar a pobreza e irrelevância que Draghi tão claramente advertiu.
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